Pode ser que você gostasse de humanas, mas não tinha a menor paciência pra fazer Direito. Ou fosse só apaixonado por filmes e séries, mas não estava certo de fazer Cinema.
Talvez você gostasse de desenhar ou escrever ou os dois, mas achava arriscado demais fazer Letras ou Belas Artes. E pode ainda ser bem provável que você quase tenha feito Psicologia, mas não queria ser psicólogo.
Ou talvez você sonhasse em ser âncora do Jornal Nacional, correspondente da Globo em Londres ou o comentarista sabidão do Sportv. Ou pode ser o caso de seu tio ser publicitário e você ter achado o máximo a agência em que ele trabalhava. Ou só te falaram no Ensino Médio que a sua extroversão daria um bom comunicador.
Fato é que você acabou entrando na Comunicação. Conheceu seus colegas, descobriu que tinham os gostos parecidíssimo com os seus, e você estava certo de que ali era o seu lugar.
E talvez fosse mesmo. Aí você podia começar a amar as suas primeiras matérias, ou então a achar que na outra faculdade as aulas eram mais interessantes. Não importa. De todo jeito, talvez só não estivesse tão óbvio pra você o tanto que você ia começar a pensar e ficar louco por causa do seu curso.
Logo de cara, te mostraram que os filmes lindos emocionantes que Hollywood criava pra te encantar (e de fato te encantavam/encantam) não eram tão lindos assim. Quer dizer, eram, ou podiam até ser lindos, mas você tinha que entender o lado super comercial daquilo. E isso taaalvez fosse até um problema. Uai. Ok. Te ensinaram que a grade da programação da TV era muitas vezes manipuladora, e que podia não fazer bem a quem assistisse.
“Ah, mas eu amava televisão!” Mas nããão, você pode continuar amando. Ainda mais se você entender o estilo de direção da novela das onze e identificar por que é que a Carminha fez sucesso em Avenida Brasil. Se tiver argumentos bibliograficamente embasados pra saber disso, nuu, melhor ainda.
Você começou a enxergar beleza no mais improvável. Acompanhar as mostras de curtas autorais da cidade e até viajar pra assistir a filmes estrangeiros em festivais. Talvez até alguma simpatia pelos documentários. Ou até se apaixonasse por eles.
Nisso, a sua cabecinha já tinha revirado tudo sobre o que era bonito e o que não era.
Mas não era só o artístico da coisa. Na premissa básica das Humanidades, o respeito social era caríssimo.
Denunciar o racismo, criticar a desigualdade social, sustentar o feminismo, combater a LGBTfobia eram talvez a principal formação complementar da nossa comunicação.
E você entendeu que essa formação precisava fazer parte do eu-comunicólogo mesmo se o cliente rico da agência exigisse modelos brancos na campanha de Natal ou mesmo se números mostrassem eficiência em anúncios machistas. A sociedade era horrível.
Pois é, então não bastava o compromisso social. Tinha a parte econômica da coisa. Comunicação tinha que fazer dinheiro. Publicidade ainda? Ai de você se quisesse só uma campanha bonitinha. Só que aí, não bastasse a decepção — “Affe, mas essa ilustração ficaria tão fofinha num anúncio” — você foi entendendo, por outro lado, que essa coisa de capitalismo era um terror, né? Desde os programas populares da TV até os investimentos milionários em mídia, que coisa perigosa, capitalista, opressora!
Por fim, a política. Aquela coisa que você mal entendia antes da faculdade, e a partir de então ia começar a se preocupar com isso. E aí ficar completamente louco.
A professora contou da Comunicação como “agulha hipodérmica”, e que hoje a história era o paradigma relacional, dialógico etc. Só que todo mundo ainda dizia que a mídia é manipuladora, parcial, alienadora e tal, e você voltava ao: uai. Você podia até suspeitar de que na universidade as coisas fossem fazer mais sentido.
Mas talvez fazer cálculos desprezando a resistência do ar, lá no terceiro ano, fosse muito mais coerente. E era louco ainda que, em qualquer discurso, nosso mesmo, até a imparcialidade era tendenciosa. A ode à imparcialidade também era marcadamente política.
Tinha vez em que a gente se considerava bons demais em analisar criticamente o mundo inteiro, esquecendo de que a gente fazia parte desse mundo inteiro.
Basicamente, você sabia tudo o que tornaria a comunicação socialmente mais adequada. Politicamente mais “imparcial” (e haja aspas). Economicamente mais, o quê, sustentável? Justa? Velada? Artisticamente maior e plural, quando nos conviesse.
Vinha então aquela culpa/angústia, e logo talvez uma responsabilidade em trabalhar por uma comunicação mais consciente. Subverter os conceitos de beleza, mostrar que o dinheiro não é tudo, buscar representações mais justas. Só que aí, amigo, cê lembrava que o bonito-Hollywood ainda vendia muito e ainda garantia seu estágio na agência tradicional.
O dinheiro era perigosíssimo, mas o mundo inteiro não queria nem saber disso. E, cara, preciso de dinheiro pra ir ao cinema assistir aos filmes do Oscar. Aliás, pera, pode gostar do Oscar? Ou será que precisa ser Sundance? Berlim? Tiradentes?
Enfim, com um pingo de responsabilidade, a gente ia passando, aos poucos, a se incomodar com tudo. E não poder voltar à escrivaninha e se bastar num livro de cálculo, porque a nossa engenharia era outra.
Era, justamente, não só querer um mundo mais justo, responsável, respeitoso, e mais bonito também, claro. Era sobreviver de mudar isso. Eu sentia que aprender Comunicação era aprender a ser política, econômica, artística e socialmente corretos. Mas aprender a conciliar tudo, talvez ainda inventassem um curso só pra isso.
Era olhar no espelho e suspeitar, pelo diploma que viria logo ou pela agonia que já vivia junto, que a gente ia ter que fazer alguma coisa por aquilo ali. A manchete do jornal, a composição do comercial, a fotografia do filme, o posicionamento na fanpage, o investimento do anunciante.
A cada dia, a gente ia entendendo de um jeito novo o quão gigante era a comunicação — gigante, influente, poderosa, perigosa e invariavelmente apaixonante. Eu, pelo menos me apaixonava, — e me enlouquecia e me perturbava e me cobrava e me confundia com tudo isso. E não me arrependia nem um pouquinho ❤
Texto escrito por Cristiano Landa Prado.