30 de dezembro de 2020
O publicitário brasileiro Washington Olivetto, que está vivendo em Londres, em meio a um segundo “lockdown”, deu uma entrevista ao Estadão sobre os efeitos da pandemia de covid-19 na comunicação.
Segundo ele, os efeitos serão de longo prazo e deve ter consequências tanto para as marcas já consagradas, que serão obrigadas a lutar mais para reter consumidores, quanto para as agências tradicionais, que precisarão entregar trabalhos com orçamentos mais apertados e enfrentar novos rivais no mercado.
Apesar das marcas terem investindo em campanhas sociais e de causas durante a pandemia, ele diz que nem todas as empresas se qualificam para esse tipo de discurso.
“Quando a mensagem está ligada à verdade da empresa, ela é muito eficiente“, diz. “Mas (um negócio) pode ter um ótimo produto, pura e simplesmente, e vendê-lo para ganhar dinheiro. E isso não é pecado“, completou.
O publicitário também falou sobre o futuro dos festivais de publicidade, a situação político-econômica do Brasil e a importância da vacina para a retomada das atividades. Confira os principais trechos da entrevista:
Se a gente pensar bem, as lives começaram como algo bem intencionado e praticamente de cunho social – o melhor exemplo foi a live da Lady Gaga, a primeira de todas. E, naquele momento, tinha uma presença dos anunciantes pedindo, de forma muito parecida, para as pessoas se cuidarem. Depois a gente começou a ver o mundo inteiro usando as lives como interesse econômico – primeiro vieram as lives patrocinadas, com conotação de negócios, e o que era caminho e humanidade virou só uma forma (de ganhar dinheiro).
Tenho a impressão de que algumas coisas novas vêm para ficar, mas nenhuma mídia vai desaparecer. Todas vão coexistir, trabalhar conjuntamente. Mas, olhando os rankings dos melhores anúncios de Londres, você percebe as mudanças. Anos atrás, seriam comerciais de Coca-Cola ou Mastercard. Desta vez, foi o da Alexa, da Amazon. E, na categoria de produtos femininos, Bodyform (marca local), e não Johnson & Johnson ou P&G. E depois veio a Ikea, de móveis e decoração, que há anos se posiciona como uma empresa moderna.
Sim. E a pandemia também serviu como uma experiência de mudança de linguagem (da publicidade). As necessidades das pessoas mudaram muito, tudo está sendo repensado. Por exemplo, o WhatsApp: ele pode ser visto como bandido das fake news, mas também foi mocinho na pandemia. Como a gente ia falar com nossos amigos e parentes, num tempo como esse, sem o WhatsApp?
A vacina é fundamental. Aqui em Londres, eu não vou ser vacinado agora (Olivetto tem 69 anos), porque eles estão começando pela turma de mais de 80 anos, com os que vivem em asilos. Mas recebo mensagem todo dia dizendo que vou ser vacinado. Acho que estão pilotando isso de maneira muito digna. E acho que foi certo também o novo lockdown. Porque, se os bares estiverem abertos, as pessoas irão aos bares. É a natureza humana. Tem sido um aprendizado sobre comportamento e sobre a vida.
Essa coisa de transformar um problema de saúde em um problema político é uma loucura, prejudica todo mundo. A performance dos dirigentes do Brasil – do presidente Bolsonaro a seus ministros – é constrangedora. Fiquei muito emocionado com a lucidez do editorial lido pelo Pedro Bial (na TV Globo). É constrangedor ver a grosseria que está sendo feita com o povo brasileiro em nome de interesses políticos.
Não tenho nenhuma dúvida de que vai haver redução. Primeiro porque as agências – principalmente no Brasil, mas também no exterior – estão passando por muitas dificuldades. Nos próximos tempos, essa parte da glamourização da publicidade vai diminuir muito. Acho que se exagerou na ideia de tentar transformar essas premiações em algo para ganhar dinheiro. Essa redução começou antes da pandemia, com a Publicis, e a verdade é que tem lógica.
Quando a mensagem está ligada à verdade da empresa, ela é sempre muito eficiente. Não acho, sinceramente, que um gesto de modismo vá prosperar se não fizer parte do cotidiano da marca. A Natura, por exemplo, sempre buscou esse caminho; por isso, tem imagem sólida. Mas é preciso entender que uma marca não precisa, necessariamente, adotar uma causa, um caminho social ou comportamental: ela pode ter um ótimo produto, pura e simplesmente, e vendê-lo para ganhar dinheiro. E isso não é pecado.
Você concorda com a opinião do publicitário quanto ao assunto?
Fonte/Créditos: Pequena Empresas & Grandes Negócios.